Nesta hora de profunda consternação, prestamos homenagem ao Professor Antoine Bailly, um colega e amigo, e uma personalidade de grande prestígio académico internacional, não só entre geógrafos, mas também entre especialistas de áreas científicas afins, como a Ciência Regional e o Ordenamento do Território, que nos deixou subitamente na sequência de enfermidade fulminante.
Nascido em 1944, Antoine Bailly fez os seus estudos universitários em França e nos Estados Unidos da América. Foi professor nas universidades de Besançon, Paris, Alberta, Quebeque e Genebra e, como visitante ou convidado, ensinou ainda na Universidade de Lisboa e em mais de 40 universidades europeias, americanas, africanas e asiáticas.
Antoine Bailly faz parte da segunda geração de geógrafos renovadores que, a partir da segunda metade do século XX, promoveram a corrente que ficou designada por Nova Geografia. A sua passagem pelos Estados Unidos da América e Canadá facilitou-lhe o contacto com grandes nomes da Geografia e da Ciência Regional mundial e permitiu-lhe incorporar, no seu percurso de investigação, o que de melhor se fazia nas escolas de geografia inglesa, norte-americana, nórdica e francesa.
Os seus interesses intelectuais eram muito diversos, abarcando temas de Geografia Urbana, Geografia Económica, Geografia Social, Geografia Aplicada, Representações em Geografia, Ciência Regional, Medicometria (de que foi fundador), Ordenamento do Território e Epistemologia e Didática da Geografia.
Evidência do seu labor científico é a sua vasta obra publicada, que inclui a autoria ou edição de mais de trinta livros, (alguns dos quais editados em francês e alemão, traduzidos para espanhol, inglês, italiano ou português e objeto de várias edições), cerca de 300 artigos em revistas canadianas, americanas, inglesas, francesas, alemãs, suíças, belgas e espanholas; mais de cento e cinquenta notas e recensões, tendo ainda participado na redação de cerca de cinquenta obras coletivas e coordenado numerosos estudos no domínio do Ordenamento do Território, na Suíça, em França e no Canadá. Trabalhou até ao fim, pelo que mesmo durante a pandemia, publicou dois livros: Une géographie visionnaire (2020) e Une analyse médicométrique de la pandémie Covid-19 (2021).
A par da docência e da investigação, Antoine Bailly desempenhou ainda altos cargos de gestão na Universidade de Genebra e impulsionou o desenvolvimento de Associações Científicas Internacionais, de Geografia e Ciência Regional, tendo sido diretor do Departamento de Geografia, Presidente da Secção de Ciências Sociais e Presidente do Conselho da Universidade de Genebra, fundador e Presidente da Comissão de Geografia Aplicada da União Geográfica Internacional, Presidente da Regional Science Association e co-fundador e director científico, durante quase uma década, do Festival International de Géographie de Saint-Dié-des-Vosges e do Prémio Vautrin Lud em Geografia.
O mérito do seu trabalho foi reconhecido por numerosas distinções entre as quais se salientam: i) Prémio Vautrin Lud, Festival internacional de Geografia de Saint-Dié-des-Vosges, França, 2011 (o chamado “Nobel” da Geografia); ii) Membro da Academia Europaea e secretário da Seção de Ciências Sociais, 2010; iii) Doutor Honoris Causa por diversas universidades: University Ioan Cuza of Iasi, Roménia (2016), Universidade de Lisboa (2009), Hungarian Academy of Sciences (2003), e Université du Québec, (1992); iv) Regional Science Association International Founder’s Medal, 2008 (prémio atribuído apenas de quatro em quatro anos); v) Membro Honorário da Academia das Ciências da Hungria, 2004, e eleito sócio correspondente estrangeiro da Academia das Ciências de Lisboa, 2020; vi) Chevalier de l’Ordre National du Mérite, França, 2000; vii) Membro correspondente da Sociedade Italiana de Geografia, pela sua contribuição para o desenvolvimento da Geografia Social e Económica, 1994; viii) Prémio Beaulieu, pela investigação em Médicométrie, 1993.
As relações colaborativas de Antoine Bailly com a escola de Geografia de Lisboa iniciaram-se nos anos oitenta, a convite de Jorge Gaspar, tendo sido enquadradas em diversas atividades do Centro de Estudos Geográficos e do Departamento de Geografia e, mais recentemente, do IGOT- Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa. De entre elas, destaquem-se: i) a participação ativa no PIC ERASMUS, lançado em 1986 com a participação das Universidades de Lisboa (coordenação), Barcelona, Copenhaga e Genebra; ii) a colaboração no ensino de seminários dos cursos de Mestrado e Doutoramento; iii) a colaboração, como consultor, em numerosos projetos de investigação. Fez parte do conselho de redação da Finisterra. Revista Portuguesa de Geografia e foi membro do Conselho Consultivo do Centro de Estudos Geográficos.
Antoine Bailly tinha uma notável capacidade de trabalho e de organização. Sendo um amante da Natureza, os seus múltiplos afazeres profissionais nunca o impediram de cultivar os seus principais hobbies: esquiar, escalar montanhas, caminhar e andar de bicicleta e, saborear, com os seus amigos, uma boa refeição e um bom vinho. Refira-se que Antoine Bailly, combinando o esqui e o alpinismo, conseguiu completar a Haute Route de Zermat a Chamonix e escalar muitos picos nos Alpes, fez caminhadas longas e de grande dificuldade em trilhos de trekking dos Himalaias (Ladakh, Annapurna e Sikkim) e na Patagónia, e como ciclista escalou mais de 100 passagens alpinas de Galibier a Izoard, de Glandon a Bavella.
Antoine Bailly foi sempre de uma enorme generosidade pessoal e intelectual para os colegas do grupo de Geografia Humana da Universidade de Lisboa. Muitos lhe devemos ensinamentos, conselhos, sugestões preciosas e a oportunidade de trilhar com ele novos caminhos de investigação em Geografia, teórica e aplicada.
Pelo mérito do seu trabalho científico e académico e pela lucidez do seu espírito, consideramos Antoine Bailly, uma referência tutelar e uma personalidade que, desde há muito, faz parte do IGOT e das duas instituições que lhe deram origem.
O Professor Antoine Bailly partiu, mas a memória do académico e grande amigo e dos bons momentos que passámos juntos, estará sempre presente nas nossas vidas.
Jorge Gaspar
José Manuel Simões
Maria Lucinda Fonseca
Diogo Abreu